Wednesday, October 27, 2004

Histórinha de Sampa

Chico Gasolina cochilava dentro de seu taxi vermelho, carinhosamente chamado por ele de Fustang quando um casal saiu de dentro da boate. De onde estava Chico percebeu que ambos discutiam. Para ele, tudo bem. Desde que começara a trabalhar na “praça” durante a noite, presenciara tanta briga de casal que já se acostumara.
Uma vez teve até que interferir porque um deles começou a se estapear no banco traseiro do carro e ele acabou levando um tabefe na orelha. Ao final da corrida, entre a Luz e o Limão, foi obrigado a meter o bedelho de novo. Os dois fizeram as pazes no caminho e carinhos intimos demais dentro do fusca. Sorriu ao recordar o episódio e voltou a atenção para o casal da calçada, no exato momento em que a mão dela cruzou o ar e acertou em cheio a cara do homem.
A mão dele desapareceu por um instante e, quando reapareceu, deu a impressão ao Chico, que dela saiam labaredas. Ainda que o taxista não fosse escolado na vida como era, os estampidos e a queda da mulher não deixariam duvidas: dois tiros haviam acertado a infeliz. Não houve tempo nem para piscar. O homem abriu a porta do taxi e entrou.
- Toca – gritou – vai!
Com a arma ainda fumegante próxima ao rosto, Chico arrancou.
- Vagabunda – rosnou o assassino.
- Para onde o senhor quer ir? – perguntou o assustado motorista.
- Rodoviária! Rápido, rapaz!
O pensamento de Chico Gasolina era só um: como escapar do passageiro armado que, certamente, iria matá-lo também.
- Nunca mais ela vai me trair – resmungou o homem- nunca mais!
Estavam próximos da rodoviária, que ainda era no bairro da Luz, quando Chico se lembrou do quartel da PM nas proximidades. O risco era grande. Era 1968, ano em que a ditadura atirava primeiro e nem perguntava depois. Ao invés de seguir em frente, virou à direita e avançou em direção ao portão. Freio de mão, cavalo-de-pau, porta aberta e Chico estava fora do fusca de mãos na cabeça e com fuzis apontados para ele.
- Tem um assassino armado dentro do carro! – gritou desesperado – Ele matou uma mulher lá na Concórdia!.
Foi um corre-corre. Dezenas de policiais tentando se proteger enquanto o assassino jogava a arma para fora do fusca e descia de mãos para o alto.
- Não se mova! Parado aí! – gritou um dos PMs.
Outros se aproximaram e algemaram o homem que se virou para Chico Gasolina e disse:
- Muito esperto, motorista. Escapou duas vezes de morrer. Pelas minhas mãos porque eu ia atirar em você assim que a gente chegasse na Rodoviária. E agora porque os PMs não passaram fogo no carro.

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